Trago à baila temas pinçados de cursos que sou aluno, dos que sou professor, de atualizações autodidatas e questões enfrentadas na advocacia. Também abro o espaço a rascunhos e escritos de amigos, colegas, PARCEIROS, sócios, estagiários etc. Os rascunhos e textos serão escritos de forma simples e descompromissada, sujeito a erros e equívocos, visto que serão postados temporariamente sem maiores revisões e correções, rascunhos para futuras publicações em veículos oficiais. Alguns serão ensaios de artigos ou obras científicas, forma de medir o mercado; outros dicas decorrentes da experiência ou expertise minhas, de colegas, grupos ou institutos. Com o intuito de informar, compartilhar conhecimento e abrir o diálogo, necessária à produção de conhecimento no mundo dinâmico e moderno.
FATOS (A)JURÍDICOS
De largada, podemos imaginar as pessoas, sujeitos de direitos e deveres na ordem jurídica, a todo instante celebram fatos, atos e negócios, muitas vezes, imperceptíveis por serem corriqueiros, ou outras vezes, ganham magnitude financeira inimagináveis, ao atingir números que parece não conseguirmos contar, como um: a) contrato de compra e venda de um pão francês na padaria; b) o empréstimo de dinheiro do colega de classe de valor suficiente para adquirir um salgado e um suco na cantina do UNIVEM em Marília-SP, com a obrigação de devolver a quantia emprestada no próximo dia dez, data do seu salário; c) os trespasse, onde passe-se o ponto empresarial, com a compra e venda do estabelecimento empresarial onde transfere-se tudo quanto gira em torno da empresa, como o ponto, o nome, marca, mobiliário, estoque, clientela, imóvel; d) operação de crédito no mercado de commodities; e) a constituição de uma start-up; f) a enchente da avenida central da sua cidade, quando seu carro é inundado, arrastado pela correnteza e sofre a perda total, sendo o carro segurado ou não; g) contato de fusão de duas sociedades empresárias, como o Banco Bradesco e o Banco Itaú; Vejam, que aí está o direito, em nosso dia-a-dia. Caso esses fatos modifiquem o mundo jurídico, podem ser considerados fatos, atos ou negócios jurídicos, como veremos.
Comecemos pelos fatos.
Quando acordo, abro o olho, isso é um fato. Penso em levantar! Levanto ou não? Resolvo e levanto da cama, é um fato. Ando até o banheiro, outro fato. Escovo os dentes, um fato. Assim, poderia dizer que os fatos são acontecimentos da vida, pelos quais a pessoa natural passa cotidianamente.
Agora, vejam, esses fatos acima, não produziram nenhum efeito no mundo do direito, assim, não interessam ao direito. Eles são denominados fatos não jurídicos, conceituemos:
Fatos ajurídicos, também chamados de fatos neutros, materiais, juridicamente indiferentes ou juridicamente irrelevantes, são aqueles fatos existentes que não criam, modificam ou extinguem relações jurídicas e, por não causar qualquer transformação no mundo jurídico, não interessam ao direito. Não interessam à ciência jurídica.
Então, se não tem relevância para o mundo do direito, o fato é ajurídico (a = não + jurídico). Diversamente quando o acontecimento da vida passa a ser considerado relevante para o mundo do direito, conceituemos:
Fatos jurídicos são os acontecimentos da vida relevantes para o direito, os quais criam, modificam, protegem ou extinguem relações jurídicas, mesmo que os fatos sejam ilícitos.
Maria Helena Diniz amplia acertadamente o conceito de Savigny, que considerava os fatos jurídicos como “os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem”, para considerar, que além de nascer e extinguir, também pode modificar ou subsistir relações jurídicas. (2002, p. 321)
Iniciamos falando do fato jurídico ou fato jurígeno em sentido amplo. Usamos a expressão em sentido amplo (ou em latim lato senso) por englobar os fatos jurídicos da natureza e os humanos, o que engloba todos os fatos, atos e negócios jurídicos. Para reforço do conceito passemos a mencionar algumas considerações do fato jurídico em sentido amplo:
a) o fato e a declaração da norma jurídica. O acontecimento pode gerar efeitos ou não ao mundo jurídico. Na eventualidade de gerar efeitos, o fato deixa de ser um fato propriamente dito para configurar-se em fato jurídico e, ao ser lesado, a norma jurídica criada pelo direito objetivo ganha vida e, na visão de Caio Mário da Silva Pereira, quando os efeitos jurídicos são conferidos àquele fato dá origem ao fato jurídico (2003) e, consequentemente, gera o direito subjetivo, segundo Paulo Nader (2003, p. 367).
b) “força” de propulsão ou “força de causa”, mencionado por Maria Helena Diniz (2002, p. 320), ao considerar que o fato jurídico em sentido amplo “dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando as normas jurídicas”. Denota-se que o direito objetivo estabelece à sociedade a norma agendi, a norma de conduta na sociedade, impondo ao agente um fazer ou não fazer, agir ou não agir, proceder ou não. Quando um fato ajurídico ocorre, nenhuma modificação há no mundo do direito, entrementes, se esse acontecimento fere o direito objetivo, dá azo a que se crie uma relação jurídica entre os sujeitos, surgindo o fato jurídico. Quando há agressão do direito objetivo, i.e., violação da norma imposta a todos, surge para o particular lesado o direito subjetivo, o poder de invocar o Estado a seu favor e fazer valer o direito, agindo e buscando a proteção estatal se quiser ao exercer ou não a faculdade a ele conferida, tal como o direito objetivo estabelece que aquele que causar dano tem o dever de indenizar, caso o Antônio cause dano ao Benedito, surge ao último o direito subjetivo ser indenizado. O fato, por ser relevante ao direito, é jurídico e gera a “força” de propulsão da reparação do direito e aplicação da norma (do direito objetivo).
c) impulsiona a criação da relação jurídica. Considera, Caio Mário da Silva Pereira, que a base do fato jurídico é um fato, mas nem todo fato tem essa força jurígena e não produzem efeitos sensíveis ao direito:” (todas características acima reforçam o conceito de fato jurídico, entrementes, em si, as explicações são as mesmas).
EXEMPLOS: FATO AJURÍDICO X FATO JURÍDICO
a) chuva Ex.: a chuva que cai é um fato, que ocorre e continua a ocorrer, dentro da normal indiferença da vida jurídica, o que não quer dizer que, algumas vezes, este mesmo fato não repercuta no campo do direito, para estabelecer ou alterar situações jurídicas. Outros se passam no domínio das ações humanas, também indiferentes ao direito: o indivíduo veste-se, alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção do ordenamento legal.” (Caio Mário)
“Há fatos da natureza que aparentemente não afetam as relações jurídicas, como uma simples chuva que pode não ter qualquer outro significado além de favorecer as plantações do campo. O fenômeno metereológico, todavia, que atinge a pintura de um quadro de arte, danificando-o, constitui um fato jurídico lato sensu, pois extingue uma relação jurídica recém-criada, considerando-se que aquele ato é jurídico e criou o direito subjetivo de propriedade para o seu autor.” (Nader, 2003:368)
b) raio “Um raio que, eventualmente, atinge reses, matando-as, constitui um fato jurídico. Se inócuo, não passa de um fato natural. O nascimento, a morte, a maioridade, são fatos jurídicos produzidos pela natureza. O nascimento de um ser humano cria uma gama de direito e deveres jurídicos. O novo ser é portador de direitos da personalidade. O seu direito à vida abre um imenso leque de responsabilidades ou deveres correspondentes. O mesmo fato que gerou o direito subjetivo atribui deveres aos pais do novo ser, além de impor à coletividade o respeito àqueles direitos personalíssimos. O evento morte é fato jurídico que extingue várias relações jurídicas, modifica algumas e extingue outras. Os vínculos de cidadania cessam, pois não se sub-rogam. Também as relações jurídicas entre os cônjuges. Em alguns elos jurídicos a posição que era ocupada pelo de cujus é substituída, dando-se a sub-rogação, como em determinados vínculos locatícios. Novas relações jurídicas são instauradas, como a do beneficiário em um contrato de seguro de vida, que assume a titularidade do direito subjetivo à indenização.” (Nader, 2003:368)
c) passeata de automóvel “A passeata de automóveis é evento de comemoração que, por si só, não cria, modifica ou extingue relação jurídica, mas se em dado momento ocorre um abalroamento” (uma tombada), “a relação entre as pessoas envolvidas, que era exclusivamente social ganha conotação jurídica, pois quem causa dano a outrem pratica ato ilícito e se sujeita a indenização.” (Nader: 2003:370)
d) cartão de pêsames Ex.: “Para configurar fato jurídico é necessário que o acontecimento seja relevante juridicamente. O fato em si lícito, mas que não acarrete nenhum efeito jurídico, não pode ser tratado como fato jurídico; é fato simples, como a preferência por um clube de futebol, a cortesia de remeter cartão de pêsames ou de felicitações ao amigo, o ato de passear pela cidade, ou de repousar após o almoço. Ditos eventos, não criando nem alterando relações jurídicas, são fatos neutros ou ajurídicos.” (Gomes, 2002:238)
e) jogo de futebol Jogar futebol é um fato irrelevante para direito, no entanto, se um jogador dá um soco no rosto do outro causando danos ou lesões no decorrer da partida, o fato passa a ser jurídico.
f) contrato “Os contratos em geral são fatos jurídicos que decorrem do elemento vontade. A modalidade dos fatos jurídicos que oferece maior complexidade é a dos negócios jurídicos, que, diferentemente das relações alcançadas por acontecimentos da natureza, são suscetíveis de vícios e de declaração de nulidade.” (Nader: 2003:369)
“Nas relações de natureza pessoal o fato jurídico liga o sujeito ativo ao sujeito passivo. Se alguém quer vender uma coisa a outrem, as duas declarações de vontade, do vendedor e do comprador, tomam, juridicamente, o nome de contrato de compra e venda que é fato jurídico da espécie negócio jurídico. É esse fato que dispara as disposições legais sobre a compra e venda. Pelo contrato que celebram, uma das partes obriga-se a transferir a propriedade da coisa vendida e a outra a pagar o preço ajustado. Nascem, desse modo, direitos e obrigações correlatos.” (Gomes, 2002:239)
“Nas relações de natureza real, o fato jurídico submete uma coisa diretamente ao poder de uma pessoa. Se alguém encontra coisa sem dono, e dela se apropria, esse fato, que em Direito se chama ocupação, dá nascimento ao direito de propriedade, pelo qual o ocupante pode usar, tendo todos o dever de respeitar o direito assim adquirido. Esse fato é o elemento que propulsiona a relação jurídica de domínio, pela qual o agente se torna proprietário do bem assim adquirido.” (Gomes, 2002:239)
Essas palavras e autores citados farão o leitor a pensar na distinção do fato jurídico e do ajurídico. Quem leu até aqui poderia me mandar mais uns exemplos. Assim,
eu tenho dito!
Prof. Teófilo Marcelo de Arêa Leão Júnior
teofilo@arealeao.com
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